O DIÁRIO DE ANA TOMAZ - Dorian Gray (1ª PARTE)

O DIÁRIO DE ANA TOMAZ - Dorian Gray (1ª PARTE)

Falava de forma pausada e num tom bastante baixo, dificultando francamente a minha capacidade de o perceber. Mas fazer-se ouvir não era o objectivo primordial do meu querido "Dorian Gray". Adorava o tom da sua voz e assumia que os temas por ele abordados eram de suma importância. Vivia na grandiosidade do seu ser, sem precisar dos demais para grande coisa.

O seu narcisismo permitiu-me observar pormenorizadamente a sala onde me encontrava. Tinha uma biblioteca considerável, as prateleiras estavam repletas de nomes sonantes da literatura portuguesa, bem como estrangeira. Assumindo eu, que os havia lido quase todos, tratava-se de um homem culto, curioso e de extremo bom gosto.

“Dorian Gray”, como carinhosamente acabei por me referir a ele, era alto, estava na casa dos quarenta anos de idade, apresentava um físico invejável e todo ele era produto de um estudo profundo sobre o seu ser.

O telefone dele tocou, tratava-se de uma chamada de cariz pessoal e que iria demorar o seu tempo. Retirei-me da sala sem necessitar que ele mo pedisse e encontrei-me novamente no hall de entrada. Do tecto pendia um rico lustre de cristal, o chão era de mármore branco da melhor qualidade. Era possível ver as minhas formas reflectidas naquela imensidão de branco, imaculado e claramente tratado numa base diária.

O telefonema ainda não tinha terminado e por isso decidi explorar um pouco mais a casa. O branco era a cor predominante, tratava-se de uma casa fria, mas não desconfortável, porém a ordem era quase sufocante. Toda a decoração era minimalista, despida de pormenores e de objectos pessoais, com excepção de inúmeras fotografias do próprio.

Todas elas haviam sido escolhidas após uma avaliação rigorosa, nada podia falhar, tudo era estudado e o sorriso era sempre o mesmo. Lá estava ele, em ocasiões solenes, em viagens a que só alguns têm acesso e em carros magníficos, nomeadamente um Aston Martin DB9, um Bentley Continental GT e um Porsche Carrera GT. Seja feita justiça, o senhor tinha muito bom gosto e muito dinheiro.

Durante a minha incursão pela casa nunca estive sozinha. O meu reflexo esteve sempre presente, pois em cada parede havia um espelho. Espelhos esses, todos de proporções generosas, para que todo o meu eu ficasse refletido no mesmo.

Percorri o corredor até encontrar a sala onde tudo se iria passar, despi o meu casaco e lá estava o meu reflexo em mais um espelho majestoso. Cabelo apanhado, num rabo-de-cavalo perfeito, com um dos vestidos mais sensuais da Demoniq, umas meias de renda Baci e os meus stilettos pretos, com sola vermelha.

A casa ficou em silêncio, o telefonema havia terminado. Coloquei-me na ombreira da porta e esperei que a porta do escritório se abrisse. Ele surgiu e logo percebeu que o jogo havia começado. Percorreu o corredor na minha direcção, mas não resistiu a contemplar a sua figura nos inúmeros espelhos de sua casa, afinal um narcisista nunca resiste ao seu reflexo.

Ele entrou e de imediato vendei-lhe os olhos para que não tivesse a possibilidade de se ver. Ao princípio não lhe agradou esta parte do jogo, contudo de forma pausada e num tom bastante baixo disse: “Quem dita as regras do jogo sou eu e mais ninguém”. “Sim Senhora” respondeu o meu querido “Dorian Gray” (continua)  ««

Ana Tomaz

Posted on 2016-09-06 ESTÓRIAS 0 4424

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